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Manifesto do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NUPEM/UFRJ) quanto à criação do NGI-ICMBio Rio das Os

18 de maio de 2020

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Manifesto do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NUPEM/UFRJ) quanto à criação do NGI-ICMBio Rio das Ostras e ao afastamento dos servidores do ICMBio de suas UCs de exercício

O Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade - NUPEM/UFRJ manifesta repúdio em relação à implementação do NGI-ICMBio Rio das Ostras, iniciada com a exoneração/dispensa em bloco de diversos chefes e subchefes de unidades de conservação (UCs) gerenciadas pelo ICMBio (Diário Oficial da União número 89 do dia 12 de maio de 2020, Seção 2). O NGI-ICMBio Rio das Ostras visa centralizar as decisões sobre o funcionamento das seguintes UCs Federais das regiões Norte Fluminense e dos Lagos: APA do Rio São João, Reserva Biológica Poço das Antas, Reserva Biológica União, Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba e Reserva Extrativista de Arraial do Cabo.

Essa estrutura de gestão desloca as decisões para uma sede única e geograficamente distante das áreas protegidas. Entretanto, a Mata Atlântica agrega dezenas de fitofisionomias e áreas de formações pioneiras sujeitas a diferentes impactos resultantes do desenvolvimento da região sudeste e das diferentes vocações territoriais. Desse modo, a aplicação de uma estrutura centralizadora neste bioma dificilmente se reverterá em uma melhora na capacidade de gestão e controle. Essa decisão tenderá a ferir gravemente os objetivos centrais de algumas UCs, prejudicando os trabalhos nos quais os profissionais destas unidades têm se especializado. No Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba (PNRJ), por exemplo, os gestores têm se especializado em lidar com problemas específicos relacionados exclusivamente aos ambientes de restinga e lagoas costeiras. Os ambientes de restinga possuem um mosaico de formações que incluem praias, áreas arenosas, canais e regiões pantanosas, em uma situação muito mais similar às regiões do Pantanal Mato-Grossense do que aquelas encontradas em outras UCs do Rio de Janeiro. Tanto o distanciamento físico entre os gestores e a sede de suas UCs quanto o fato das decisões serem tomadas por instâncias que não atuam in loco dificultam a compreensão das questões e demandas locais, além de representarem um sério entrave às interlocuções com os moradores dos três balneários que representam enclaves do PNRJ.

Quatro das cinco UCs federais na região Norte Fluminense e dos Lagos indicadas acima enfrentam forte pressão de caça e pesca ilegal, que tem sido mitigada pela fiscalização atuante e pela presença dos servidores nas áreas. A precarização da vigilância e fiscalização ambiental, com a retirada de efetivos e o deslocamento destes servidores para uma unidade central se reverterá em um entrave severo às ações de fiscalização, com prejuízos irreparáveis para a conservação da fauna e flora que ainda resistem nos últimos remanescentes expressivos de florestas e restingas do Estado do Rio de Janeiro. A literatura científica aponta que a fragmentação florestal, aliada à intensa pressão de caça, é uma das principais causas de extinção local de espécies de animais de grande porte, em um processo conhecido como defaunação, que indiretamente acarreta a perda de inúmeras outras espécies de animais e vegetais. Como consequência dessas perdas, serviços ambientais essenciais providos pelos ecossistemas à população humana também são perdidos (13). O processo de defaunação afeta também a saúde humana, uma vez que a extirpação e a caça de mamíferos silvestres favorece a emergência de doenças infecciosas, tanto pela perturbação de ciclos naturais de transmissão de patógenos, como pelo consumo de animais silvestres (4). Um dos exemplos mais claros desse impacto sanitário consiste na atual pandemia da COVID-19, cuja origem está associada ao comércio de animais silvestres (5). Portanto, o relaxamento das ações de fiscalização, uma das consequências inevitáveis do novo modelo de gestão, coloca em risco não somente a elevada biodiversidade dessas UCs, como também a saúde pública.

Esse novo modelo de gestão das UCs também impõe riscos de perdas financeiras que vão muito além dos deslocamentos mais longos dos servidores das UCs até a nova sede. O mosaico de UCs atualmente composto pela APA do Rio São João, Reserva Biológica de Poço das Antas e Reserva Biológica União, por exemplo, tem sido alvo de diversas medidas mitigadoras de impactos de empreendimentos lineares, como construções de viadutos florestados, passagens aéreas e subterrâneas, e a criação de corredores florestais. Estas medidas buscam reestabelecer as conexões entre fragmentos florestais hoje separados por rodovias e dutos de óleo de gás, tendo como propósitos principais o maior intercâmbio genético e a preservação de populações locais de mamíferos silvestres ameaçados de extinção, como o mico-leão dourado, a preguiça de coleira, a onça parda, entre outros (6, 7). Atualmente, este conjunto de medidas mobiliza milhões de reais custeados por órgãos privados e públicos dos setores de transportes e de energia voltados para financiar pesquisas e mitigar impactos à fauna silvestre regional. Contudo, estas medidas terão sucesso apenas se outras ameaças à sobrevivência das espécies na região, como a caça, forem reduzidas por meio de ações constantes de fiscalização ambiental nas UCs. Com a precarização da fiscalização inerente ao novo modelo de gestão de UCs, existe um sério comprometimento da garantia de que os investimentos atuais milionários aplicados à conservação da fauna silvestre regional sejam efetivos, podendo acarretar desperdícios financeiros substanciais às instituições envolvidas nas mitigações e, possivelmente, o cancelamento de contratos milionários.

A remoção dos servidores das sedes das UCs também compromete a continuidade de inúmeras pesquisas científicas, algumas delas com histórico de mais de 30 anos, como as conduzidas pelos pesquisadores e alunos do NUPEM/UFRJ e outras instituições de pesquisa do Brasil e do mundo. Boa parte destas pesquisas requerem a participação presencial de servidores do ICMBio, que auxiliam no desenvolvimento do tema de estudo e no suporte técnico e científico, através de uma série de ações, como apoio ao deslocamento e a vistoria e proteção de equipamentos de pesquisa instalados em campo (armadilhas fotográficas, estações meteorológicas e antenas fixas de radiotelemetria, etc). O afastamento físico de analistas e técnicos de suas UCs de exercício e a diminuição das ações de apoio presencial à pesquisa inevitavelmente se reverterão no furto destes equipamentos e em uma perda substancial de outros recursos públicos e privados investidos em pesquisas científicas e na formação de pessoal. Em última instância, essa situação inviabilizará a condução com segurança de pesquisas de campo extremamente relevantes para o desenvolvimento socioambiental das regiões onde as UCs estão inseridas. O efeito do relaxamento da fiscalização no aumento deste tipo de delito foi testemunhado recentemente na Reserva Biológica União, onde seis armadilhas fotográficas (custo unitário médio de R$1.500,00) instaladas por pesquisadores do NUPEM/UFRJ foram furtadas logo após a redução das atividades de vigilância nas UCs, causada pela pandemia da COVID-19 (5). Embora pontual, este fato mostra que, na ausência de medidas constantes de fiscalização, as UCs estão completamente vulneráveis a atividades ilícitas que levam à interrupção de pesquisas, prejuízos financeiros no investimento público em ciência e tecnologia, e risco à integridade física de pesquisadores e estudantes.

Diante dos argumentos expostos, solicitamos que as exonerações/dispensas de funcionários das UCs contempladas pelo NGI-ICMBio Rio das Ostras (Diário Oficial da União número 89 do dia 12 de maio de 2020 (Seção 2)) sejam revogadas, e que a relocação e o afastamento dos servidores de suas UCs de exercício sejam reconsiderados na formulação do novo modelo de gestão.

Veja em: https://www.macae.ufrj.br/nupem/index.php/novidades-slideshow/1229-mocao-de-repudio-a-implementacao-do-ngi-icmbio-rio-das-ostras

  1. R. Dirzo, H. S. Young, M. Galetti, G. Ceballos, N. J. B. Isaac, B. Collen, Defaunation in the Anthropocene. Science (80-. ). 345, 401–406 (2014).
  2. M. Galetti, R. Dirzo, Ecological and evolutionary consequences of living in a defaunated world. Biol. Conserv. 163, 1–6 (2013).
  3. R. S. Bovendorp, F. T. Brum, R. A. McCleery, B. Baiser, R. Loyola, M. V Cianciaruso, M. Galetti, Defaunation and fragmentation erode small mammal diversity dimensions in tropical forests. Ecography (Cop.). 42, 23–35 (2019).
  4. C. E. Doughty, T. O. Prys?Jones, S. Faurby, A. J. Abraham, C. Hepp, V. Leshyk, V. Y. Fofanov, N. C. Nieto, J. Svenning, M. Galetti, Ecography (Cop.)., in press, doi:10.1111/ecog.05209.
  5. P. Zhou, X. Lou Yang, X. G. Wang, B. Hu, L. Zhang, W. Zhang, H. R. Si, Y. Zhu, B. Li, C. L. Huang, H. D. Chen, J. Chen, Y. Luo, H. Guo, R. Di Jiang, M. Q. Liu, Y. Chen, X. R. Shen, X. Wang, X. S. Zheng, K. Zhao, Q. J. Chen, F. Deng, L. L. Liu, B. Yan, F. X. Zhan, Y. Y. Wang, G. F. Xiao, Z. L. Shi, A pneumonia outbreak associated with a new coronavirus of probable bat origin. Nature. 579, 270–273 (2020).
  6. L. M. Pessôa, W. C. Tavares, P. R. Gonçalves, P. R. Pessôa, L.M., Tavares, W.C. & Gonçalves, in Mamíferos de Restingas e Manguezais do Brasil, L. M. Pessoa, W. C. Tavares, S. Siciliano, Eds. (Sociedade Brasileira de Mastozoologia, Museu Nacional, Rio de Janeiro, 2010), vol. 80, pp. 95–125.
  7. M. C. M. Kierulff, C. R. Ruiz-Miranda, P. P. de Oliveira, B. B. Beck, A. Martins, J. M. Dietz, D. M. Rambaldi, A. J. Baker, The Golden lion tamarin Leontopithecus rosalia: A conservation success story. Int. Zoo Yearb. 46, 36–45 (2012).
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